segunda-feira, 22 de outubro de 2018

É verdade esse bilhete, por Carlos Lula


Esta semana li a história por detrás da reportagem escrita pelo repórter Carlos Heitor Cony sobre um famoso falsário de São Paulo da década de 1970. Cony nunca conseguiu a tal entrevista, mas a recusa do criminoso não impediu o jornalista de ocupar quatro páginas da revista com a “Entrevista de mentira com um falsário de verdade”. O leitor, na época, nunca descobriu se o texto era sério ou não.

Há quase 50 anos, histórias com traços de invenção não eram consideradas falsas, embora o título e a solução encontrada por Cony tenham um toque de malandra genialidade, a tal história escrita merecia ser verdade. 

Passaram-se os anos, a criatividade deu lugar a façanhas de ofensivo perigo. Principalmente neste período tão delicado para a história da nossa tão recente democracia. As fake news ou falsas notícias estão acabando com nosso direito de conhecer a verdade sobre os fatos.

Recordo-me que, em princípio, as redes sociais distribuíam boatos. Um arrastão no centro da cidade, uma greve nas escolas – tenho para mim que incitada por alunos fanfarrões – que logo eram desmentidas. O burburinho era local e o impacto quase inexistente.

Antigamente, ser pego na mentira era motivo de vergonha, embaraço, total constrangimento. O melhor seria não mentir, mas como meninos, às vezes, gostávamos do perigo, do frio da barriga e odiávamos o ‘couro quente’ – nossa infantil inocência nos entregava com facilidade, ainda bem.

Acontece que as crianças ou jovens do passado são os adultos de hoje. Para ser mais específico, são os produtores e reprodutores de calúnias absurdas e criminosas. A vergonha já não existe. Os limites foram todos extrapolados. Não há sequer uma tênue linha de consciente embaraço.

No mesmo mês em que celebramos o Dia das Crianças, que expressamos nossa tão ávida liberdade de escolha do próximo presidente do país, estamos mais embaraçados pela chuva de mentiras descabidas em troca do poder. Sim, do poder. Não é de um projeto político para o povo, mas de um poder. 

As leis contra crimes de internet ainda engatinham no país. A maneira de nos protegermos das fake news exige uma real participação popular. Uma real participação do indivíduo na investigação dos fatos e compartilhamento com o seu círculo de amigos e família. Não dá para ficarmos a mercê das notícias que chegam e nos surpreendem com suas absurdas informações - ou desinformações.

A nossa aversão às fake news deve ir para além do campo do embate com nosso próximo ou com um total desconhecido das redes sociais. Deve ser um ato de profunda responsabilidade com o futuro de nossa nação, com o nosso futuro. 

Se antes uma ‘falsa matéria’ era uma forma de tornar a notícia mais interessante, hoje está em jogo a liberdade, a democracia, e, ainda, pode eclodir uma pequena onda que reverbera até provocar tragédias inimagináveis.

Não se trata do apocalipse, mas de riscos incalculáveis. A exemplo do surto de Febre Amarela que atingiu o país no final do ano passado e início de 2018. Durante a campanha de vacinação circulou no WhatsApp boatos sobre malefícios para quem recebesse a dose imunizante. Na dúvida, muitos preferiram não correr o risco, mesmo sem saber sequer de onde partiu a informação. Consequentemente, os casos notificados multiplicaram rapidamente, assim como o número de óbitos. Tudo fruto de falsas notícias compartilhadas quase que instantaneamente no WhatsApp.

Precisamos reavaliar nosso comportamento diante da enxurrada de “notícias” que invadem nossas redes. Por isso, permitam-me uma sugestão. Se cada um se propor a contribuir com pesquisas e difusão da verdade sobre os fatos, seguramente, faremos um grande bem ao nosso estado e ao nosso país, demonstraremos a nossa civilidade para que reverbere em segurança e bem-estar coletivo.

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