terça-feira, 27 de novembro de 2018

(SOBRE)VIVER, por Carlos Lula



Duas imagens chamaram a atenção dos maranhenses nestas últimas semanas. João Miguel, de apenas 5 anos, sofreu um grave acidente ao cair em uma caieira de carvão. As imagens angustiantes do pequeno em atendimento no hospital de Imperatriz circularam na internet por dias. Outro registro foi protagonizado por Camile Vitória, de 12 anos – perdão, esta já não é mais criança. Enrolada em faixas especiais para tratamento de uma doença rara, ela não escondia seu bom humor, inteligência e esperteza típicas de uma garotinha.

Em comum, ambos lutam por suas vidas. Ele permanece em estado muito grave no hospital de Goiás, especializado em tratamento de queimados. Perdeu alguns membros e já é um milagre suportar tanta dor. Ela foi diagnosticada desde o nascimento com epidermólise bolhosa. Aprendeu a conviver com as limitações causadas pela doença, que, inclusive, lhe abrevia o tempo de vida e não tem cura.

O estado de saúde tão delicado não apenas angustia as famílias, também nos comove. Afinal, são duas crianças enfrentando dilemas extremos, suas tão jovens vidas por um fio. Não há como se aquietar diante dessas histórias reais.

Ambos os casos recebem assistência especializada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tanto em Goiás quanto no nosso Hospital de Câncer, em São Luís. Em meio aos desafios da saúde pública, devemos reconhecer a inestimável importância dos profissionais que se dedicam ao cuidado destes casos delicados no SUS. Sem eles, o estado de saúde dessas crianças estaria completamente comprometido, já que o caríssimo tratamento na rede privada está fora da realidade de suas famílias.

No caso da epidermólise bolhosa, desde 2016, o Governo do Maranhão passou a garantir recurso estadual para tratamento de pessoas com esta doença rara. No momento, 18 pacientes são assistidos pelo Hospital de Câncer do Maranhão, com um custo superior a R$ 600mil por mês. Sem quantificar valores de suplementos e insumos básicos.

Sim, é papel do Estado ampliar sua rede de atendimento, acrescentar novos serviços e tratamento para doenças recém descobertas. Faz parte do cerne do Estado preservar a vida humana e garantir dignidade a ela. Sabemos. Mas nem sempre foi assim. Quantas crianças ainda morrem no país sem acesso a este tratamento no SUS? Além do Maranhão e Rio Grande Sul desconheço outro estado a garantir o tratamento.

Antes mesmo de ser secretário de Estado da Saúde, a doença não era apenas rara como também era desconhecida para mim. Então, por anos, o sofrimento dessas famílias era solitário.

Quando Camile chegou na nossa rede, a luta de sua família era somada a de outros pais que também batalhavam pelo tratamento adequado para seus filhos. Apesar de ainda não haver cura, é possível prevenir lesões, favorecer o processo de cicatrização das feridas, repor nutrientes e aliviar a dor.

Por ser muito frágil, as camadas de pele crianças como Camile se descolam facilmente ao menor atrito, dando origem a bolhas dolorosas parecidas com as de uma queimadura de 3º grau. É aí que novamente lembro do João Miguel, da sua aflição e da sua luta pela vida.

Diante de tudo o que o SUS pode proporcionar para Camile e João, esperança é uma delas. Ela já entende isso. Na verdade, ela se agarra a fé, a alegria de viver, a sua família e aos profissionais que a ajudam. Todos deveriam conhecer Camile, é realmente revigorante para a alma bater um papo de cinco minutos com ela. No entanto, não esqueçam de olhar por João. Aliás, novamente suplico, deixem de repassar as imagens de sua dor, mas sejam sensíveis a ele e aos seus familiares. Que a esperança também chegue para eles. A cena que ansiamos voltar a ver envolve sorrisos e não as suas lágrimas.

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