Mais de três anos após o maior desastre ambiental do Brasil, o
rompimento da barragem de Mariana (MG) em novembro de 2015, o país pouco
avançou no monitoramento e fiscalização desse tipo de construção,
segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Na manhã desta
sexta-feira (25), uma barragem da mineradora Vale se rompeu e ao menos
uma outra transbordou em Brumadinho, cidade da Grande Belo Horizonte. Os
rejeitos atingiram uma área administrativa da empresa, onde havia
funcionários, além da comunidade Vila Ferteco. Ao menos nove pessoas morreram e cerca de 300 ainda estão desaparecidas.
Para
o professor de engenharia hidráulica da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Carlos Barreira Martinez, o país tem centenas de barragens
mal cuidadas.
"Lamentavelmente ficou tudo do mesmo jeito, tanto
que o resultado é o mesmo. E esse é só mais um, ano que vem vamos ter
outro e vão morrer mais pessoas. As mineradoras continuam fazendo o que
bem entendem", afirma ele.
Martinez
diz que falta investimento em monitoramento, por parte das empresas, e
em fiscalização, por parte do Estado. "O monitoramento é primitivo,
continua sendo feito com peças do século 19 e se espantam depois com o
resultado. E há um excesso de leniência do Estado com as empresas",
afirma.
Ele cita o exemplo de Mariana, em que as mineradoras
criaram a Fundação Renova para implementar projetos de reparação
ambiental e socioeconômica após a tragédia. "Existe uma indenização de
R$ 20 bilhões, mas é a própria empresa que vai aplicar na recuperação.
Isso não tem cabimento, quem tem que fazer isso é o Estado brasileiro",
diz.
No caso da barragem de Brumadinho, a estabilidade tinha sido
garantida por um auditor -o sistema de gestão implementado exige que um
auditor externo avalie a estrutura das barragens. Essa avaliação é feita
anualmente e é baseada num check-list.
Como essas estruturas são
de grandes dimensões, o estudo de risco de ruptura é feito por análise
amostral, explica o geólogo Jehovah Nogueira Júnior. São definidos
alguns setores da barragem para fazer o levantamento de informações.
"É
comum estudar algumas seções, mas pode ter uma crítica que não foi
escolhida. É um sistema que ajuda a prever riscos, mas não resolve", diz
Nogueira, que é consultor de barragens. Como a de Brumadinho, a
barragem de Fundão, da Samarco, tinha estabilidade garantida.
O
método de análise funciona para evitar uma ruptura por deslizamentos,
mas pode falhar em detectar infiltrações. "A infiltração só vai ser
detectada muito tarde, ela costuma ser negligenciada. Quando vem uma
chuva muito forte, o nível da barragem aumenta muito rápido e pressiona a
infiltração. Com isso, a barragem pode romper", diz.
O professor
de Engenharia de Minas da UFMG Evandro Moraes da Gama acredita que a
supervisão das barragens aumentou depois da tragédia de Mariana, mas
ainda é fraca. "Não foi suficiente porque aconteceu outro acidente, com a
mesma empresa, mesmo tipo de minério e rejeito. E não houve um
alerta que permitiria uma evacuação, por exemplo", afirma.
Especialistas
dizem que a lei federal sobre a Política Nacional de Segurança de
Barragens, de 2010, ainda precisa ser implementada. Além disso, Martinez
defende que o Brasil adote um modelo similar ao dos Estados Unidos,
onde, segundo ele, o corpo de engenheiros do exército fiscaliza as
barragens e cobra das empresas as adaptações necessárias. "É um órgão
perene, que tem pessoal competente no país todo", diz ele, sobre o
exército brasileiro.
O problema das barragens de mineradoras
começa ainda na construção, segundo Jehovah Nogueira. "O processo é
muito menos rigoroso do que o de hidrelétricas, por exemplo. Não se vê
dique desse tipo rompendo toda hora", diz.
Técnicos da área
concordam que a barragem dá sinais de falha, mas a pressão pela produção
pode interferir nas medidas de segurança. "A estrutura apresenta
inconformidades, mas isso pode ser interpretado de forma otimista
demais. Uma empresa como a Vale tem contratos fechados com antecedência e
precisa entregar o produto. Então alguém responsável pela operação diz:
'não pode parar, vai tocando'", afirma o professor de Engenharia
Geotécnica da Coppe/UFRJ, Maurício Ehrlich.
Martinez compara a
situação a um infarto. "Tem uma dor no peito, depois no braço, há
sintomas. É claro que as empresas sabem o que acontece e vão levando a
situação", afirma.
Para Ehrlich, entretanto, esse tipo de problema
pode ocorrer em qualquer país, porque o risco faz parte da atividade de
mineração. "Já teve acidente assim no Chile, Austrália, Canadá. A
exploração mineira trabalha muito no fio da navalha", diz.
Ele
afirma ainda que há órgãos externos e organismos internacionais que
ajudam a controlar a atividade das empresas. "Mas nem sempre eles
conseguem saber o que está acontecendo na ponta", afirma.
A
estrutura que rompeu em Brumadinho nesta sexta-feira não recebia
rejeitos desde 2015 e seria desativada definitivamente. Em dezembro, foi
obtida a licença para o reaproveitamento dos rejeitos e o encerramento
das atividades, conforme a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.
"Toda barragem tem
uma vida útil. Normalmente é usada até exaurir o reservatório. Mas mesmo
após desativada tem que garantir as condições de segurança", diz
Nogueira.
O destino para uma barragem inativa deveria ser acabar
com o barramento, "fechar de fato", segundo Hernani Lima, da Escola de
Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. "É preciso colocar esse
rejeito em outro lugar, abrir o barramento, drenar e tirar toda a água,
para evitar esse tipo de acidente."
Segundo Gama, da UFMG, é
possível reaproveitar os rejeitos para fabricar cimento e concreto, por
exemplo. "Nós compramos porcelanato da China, que é feito com rejeitos
de barragem de ferro. Podemos reaproveitar os nossos para fazer base de
estrada, várias estruturas", diz ele.
O professor afirma que,
antes da tragédia em Mariana, a universidade já havia apresentado essas
soluções para mineradoras e para o governo, mas não houve interesse na
proposta. "A UFMG tem trabalhado com esse problema desde 1996 e já
vínhamos alertando o poder público de que, com essa escala de produção
de minério, os rejeitos iam ultrapassar a capacidade das barragens",
diz. Com informações da Folhapress.
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