domingo, 29 de setembro de 2019

REAPRENDER, por Carlos Lula


Nunca gostei das mensagens que guardam o ser humano como um poço de dignidade e beleza. Todas as vezes que isso aconteceu sempre me soaram como falsa propaganda. Velhinhos de beleza quase espectral, sorrindo e falando de um passado grandioso e belo. Isso sempre me soou mentiroso. Nunca gostei da romantização de quem teve uma vida inteira de pecados a desfilar.

Mas esse meu aparente mau humor às vezes é quebrado. Quando olhei a cena, logo me impactei. Aos cem anos de idade, dona Regina foi filmada reaprendendo a andar. Após um procedimento cirúrgico, a centenária voltou a dar pequenos passos durante a sessão de fisioterapia. O vídeo viralizou e está disponível no Instagram da Secretaria de Estado da Saúde. Pelo que se vê na imagem – e no testemunho dos próprios familiares - uma rede de cuidados favorece a longevidade e disposição da idosa. É perceptível, todo idoso que envelhece bem não está sozinho nem se sente isolado. De todo modo, o vídeo nos faz repensar os próprios passos que damos e que ainda daremos.

É que o rápido processo de envelhecimento populacional representa hoje um dos principais desafios para o sistema de saúde brasileiro. Em 2030, o país terá mais idosos do que crianças pela primeira vez na história. Serão aproximadamente 41,5 milhões (18% da população) de pessoas acima de 60 anos, contra 39,2 milhões (17,6%) das que terão de zero a 14 anos. Hoje os idosos somam pouco mais de 29 milhões de brasileiros.

Essa transição demográfica será realizada em menos de um século no Brasil, ao passo que na Europa ela levou praticamente duzentos anos. Tal condição implicará em mudanças profundas nas políticas públicas de saúde, assistência social e Previdência. E, infelizmente, o Brasil não está preparado para tal realidade.

Temos de admitir que hoje nossos idosos estão soltos no sistema de saúde. Passam por uma série de especialistas, fazem um milhão de exames, usam inúmeras medicações, muitas vezes até incompatíveis entre si, mas não há ninguém cuidando deles como um todo. A sustentabilidade do setor passa, portanto, pela mudança no modelo assistencial, hoje focado em especialistas e em hospitais. Essa é uma receita há muito conhecida, mas cujo tratamento não está sendo seguido.

Explico. Na saúde, a política de atenção ao idoso está vinculada à preocupação com o bem-estar, com o envelhecer saudável e com as quedas repentinas, sendo estas as principais causadoras de cirurgias e sessões de fisioterapia. De modo efetivo, o Governo do Maranhão ampliou a oferta da assistência ortopédica no interior do estado, por meio dos Hospitais Macrorregionais. Na capital, abriu o Hospital de Traumatologia e Ortopedia (HTO) do Maranhão, que opera em média 50 pacientes idosos por mês.

Ainda nesta rede de cuidados na saúde pública estadual, os Centros Especializados em Reabilitação de Olho d’Água e Cidade Operária ofertam assistência especializada na recuperação motora, além de garantir atividades de promoção ao bem-estar para este público.

Dona Regina, por exemplo, passou pela cirurgia no HTO e, atualmente, segue acompanhada por uma equipe multiprofissional do CER Olho d’Água. Mas vale ressaltar que a centenária não chegou tão longe por causa das unidades de saúde do estado. Ela pôde contar com uma rede de cuidados que começou dentro da própria casa, no ambiente familiar. Isso é muito mais importante que o cuidado hospitalar que oferecemos num momento em que Dona Regina precisou de assistência.

O acompanhamento casa a casa feito por agentes de saúde, a oferta de serviço hospitalar especializado, as atividades físicas em academias da saúde espalhadas pelo Maranhão, os grupos de ‘Melhor Idade’ são estratégias favoráveis ao envelhecimento saudável da nossa população idosa, mas não substituem o zelo familiar e o companheirismo de vizinhos e amigos de longa data.

Atualmente, pouco mais de 11% da população maranhense é idosa. Este índice representa mais de 790 mil pessoas. A rede de cuidados que este grupo necessita não está nas quatro paredes de uma unidade de saúde – mesmo que localizado na capital ou no interior do Estado. Já reparou que os idosos de hoje são mais ativos?

O Brasil envelhece e em sua maturidade deveria reconhecer que temos de mudar de maneira urgente o cuidado com nossos idosos. Promoção da saúde e reforço da atenção primária, com acompanhamento médico contínuo e focado no indivíduo, não na doença. Essa é a receita, mas o país parece ainda ser resistente ao tratamento. Assim como Dona Regina, temos de reaprender a andar.  

Falo isso porque a data de 1º de outubro celebra o Dia do Idoso. A comemoração é um lembrete a todos nós. Que com pecados e problemas, com vidas gloriosas e melancólicas, honestas e desonestas, teremos histórias para contar e cabelos brancos a pentear. Muito provavelmente alguém para cuidar. Ou a ensinar a novamente andar.

Só uma última curiosidade. Regina quer dizer rainha. O nome lhe faz justiça. Quem é a sua Regina?

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