domingo, 30 de dezembro de 2018

Fé na vida, fé no que virá, por Carlos Lula


Permita-me o leitor desapontá-lo no último artigo de 2018. Sim, já há algum tempo ocupo o presente espaço sempre para tratar de algum tema relacionado à saúde. Então, você que esperava um balanço do que foi o ano que se passou, sinto desapontá-lo.

Se pudesse resumir 2018 num adjetivo, eu diria ‘cansativo’. Um ano com eleições, derrota na Copa do Mundo, eventos que proporcionaram cisão de famílias, amizades e relacionamentos. Um ano pesado, cheio de energias que não podemos chamar de positivas.

A eleição presidencial nos renderia, qualquer que fosse o resultado do segundo turno, um país extremamente dividido. E é sobre esse Brasil de 2019 que gostaria de conversar um pouco com vocês.

Nunca me pareceu tão importante ter lido Norberto Bobbio e seu “Direita e Esquerda” ainda adolescente. Mas, ao mesmo tempo, nunca Bobbio foi tão insuficiente para entender o que se passa a nossa volta. Para os que não possuem estigmas, valho-me aqui de Michael Oakeshott, que, ao lado de Edmund Burke, é um dos grandes teóricos do conservadorismo inglês. 

Oakeshott abandona um tanto as divisões clássicas entre esquerda e direita, nascidas no contexto da Revolução Francesa, para classificar as correntes políticas da modernidade entre a disputa da fé e do ceticismo. Explico.

A chamada “política da fé” se alicerça na busca da perfeição terrena. É possível refazer o mundo, refundar o estado, consertar tudo que está errado, fazer da Terra o céu. Por outro lado, existe a “política do ceticismo”. Não é uma resposta à primeira, mas apenas um entendimento diverso do que é o exercício do poder. Para esses partidários, um governo não pretende dirigir a sociedade a um fim determinado. Um governo é apenas a garantia de direitos e o exercício de deveres. A vida de cada um é fruto do exercício da liberdade individual. 

Sim, como toda proposta binária, a formulação é insuficiente para categorizar toda a realidade, mas a teoria de Oakeshott é tão importante nesse momento porque nos faz pensar fora das proposições clássicas e tentar rever nossas ideias. Há seguidores da fé e do ceticismo em todas as correntes políticas. E, infelizmente, o que temos para 2019 no Brasil é um discurso que está pautado no fim da pluralidade de ideias e num potencial inimigo a ser combatido. De parte a parte.

Nem os derrotados nas eleições de 2018, muito menos os vencedores da disputa parecem ter entendido o recado das urnas. 2019, infelizmente, parece nascer num horizonte de sombras.

Talvez seja esse o meu desejo para o ano vindouro: que a fé no homem sobreponha a fé na política. Como cantou Gonzaguinha, somos nós a semente do amanhã. “Nós podemos tudo, nós podemos mais, vamos lá fazer o que será”, diz a música. Nenhum projeto de mundo perfeito deu certo até hoje. Simplesmente porque não há perfeição universalmente aceita. Nem aqui, nem alhures.

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