domingo, 31 de março de 2019

ÁGUAS DE MARÇO, por Carlos Lula


Muitos anos atrás, o mestre Tom Jobim aproveitou a calmaria do seu sítio para compor “Águas de Março”. Para os nascidos neste mês, é impossível não lembrar desta canção. Nosso mês é chuvoso, a canção nos aponta as coisas simples da vida, dos ciclos, da solidão e da esperança.

Uma canção tão linda escrita em total melancolia. Tom descobriu que estava destinado a morrer de cirrose. Além disso, em março de 1972, também sentiu que seus dias como artista estavam contados, ninguém mais ouvia suas músicas. E, merecidamente, depois de lançada, esta canção explodiu. 

“Águas de Março” esteve presente nos dois discos seguintes, “Matita Perê” (1973) e “Elis & Tom” (1974), além da versão em inglês, tema de campanhas publicitárias, releituras, orquestras, casamentos, filmes e som ambiente em restaurantes. Em 2001, foi nomeada a melhor canção brasileira de todos os tempos.

Sinto que, tal qual Tom Jobim, ninguém deseja que a vida acabe. Aliás, ninguém deseja que a morte se apresse. Há tantos desejos ainda a realizar antes de partir. Felizmente, o compositor viveu 22 anos depois das Águas de Março e compôs outros sucessos, para só então morrer de insuficiência cardíaca – nada da cirrose.
  
Realmente, a vida não é para pessoas que entregam os pontos. Não há nada de extraordinário nas histórias dos que desistem – embora, desejo não falte, motivos tenhamos aos montes. É preciso entender que a vida é feita de ciclos, de travessias, de promessas, de esperas, de derrotas e conquistas. 

Em meio a sua melancolia, Tom Jobim poderia apenas arquivar este poema. Não precisava musicar. Mesmo dando pouco crédito ao próprio trabalho, ele entrou no estúdio, gravou e lançou o disco com esta canção.

O que torna ainda mais interessante o trecho último deste poema. “É promessa vida no teu coração”. Exatamente isso. Nas piores fases da vida, quem tem esperança, tem força para dar o próximo passo. Sabe que, antes de partir, há muito, há mais a ser feito. Parar e desistir é uma opção, mas não a última escolha. A esperança martela o peito de quem sabe onde deseja ir, o que deseja fazer.

As minhas “Águas de Março” remetem, hoje, à minha função. A minha responsabilidade atual, como gestor da saúde no Maranhão. Quando terminar meu ciclo, quero riscar na minha lista a missão de desatar os nós da saúde. Ou pelo menos alguns deles. Tornar a saúde mais acessível, eficiente e descentralizada. Melhorar não apenas a assistência, mas a cultura do nosso povo – de apenas procurar o médico na doença, e não buscar o profissional de saúde por prevenção.

Quando lancei meu livro O SUS SEM (N)ÓS, ano passado, cheguei a compartilhar um texto do Fernando Teixeira de Andrade e preciso escrevê-lo aqui novamente. “Não sei se estou perto ou longe demais, sei apenas que sigo em frente, vivendo dias iguais de forma diferente / Levo comigo cada recordação, cada vivência, cada lição / E mesmo que tudo não ande da forma que eu gostaria, saber que já não sou a mesma de ontem me faz perceber que valeu a pena.”

Agradeço os dias comuns, assim como as horas de melancolia que já me afligiram e, principalmente, aos risos soltos pela casa que sempre me trazem de volta a alegria. Por isso, neste domingo, dia 31, vou viver meu ano novo e desejar a todos que as águas de março que fecham o verão tragam promessas de vida também aos seus corações.

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