terça-feira, 29 de outubro de 2019

ESQUECIDA ESCRAVIDÃO, por Carlos Lula


“A desigualdade social no Brasil é, basicamente, uma herança da escravidão”. A afirmação está publicada no livro mais recente do jornalista paranaense Laurentino Gomes, cujo título é Escravidão. Após seis anos de pesquisas, coletando informações por diversos países, Laurentino faz uma constatação que negamos reconhecer: a escravidão é um passado mal resolvido no Brasil.

Segundo informa o autor, o Brasil exportou 40% de todos os escravos africanos vendidos ao Novo Mundo. Isto é, de um total de 12,5 milhões, a maior colônia portuguesa das américas tomou para si 5,8 milhões de pessoas. Sem contar com 1,8 milhão de negros mortos ainda na travessia, quase 14 corpos por dia jogados no mar, interferindo até mesmo na rota dos tubarões, que seguiam o sangue espalhado no Atlântico.

Aqui, preciso confessar uma admiração pela cultura americana. Esse povo de hábitos, por vezes, bizarros, costuma relembrar até a mais vergonhosa história do seu passado. É uma boa forma de não repetir certas estupidezes. Nesse sentido, deveríamos pontuar essas datas para não esquecer de onde saímos, onde estamos, para onde e porque estamos neste caminho.

Mesmo após 131 anos da abolição da escravatura, estamos aqui a tratar da igualdade que na prática ainda não chegou à população negra. Na área da saúde, por exemplo, nem mesmo o SUS, cujo objetivo central é igualdade, se ocupou em dar devida atenção ao grupo de imediato. O Sistema, criado para atender qualquer pessoa no Brasil, não enxergou a pluralidade de usuários que buscariam o serviço. Sequer se preparou para ir ao encontro destas pessoas e cuidar delas.

Somente em 2006, o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra foi instituído para provocar os profissionais de saúde quanto às demandas específicas dos afrodescentes. Três anos depois saiu a publicação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

No Maranhão, considerando a pluralidade do nosso povo, ampliamos a estratégia a ser desenvolvida por aqui. Dois anos atrás, instituímos a Política Estadual de Saúde Integral da População Negra, Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Quilombola. Desde então, coube ao Estado, por meio das Secretarias de Saúde e Igualdade Racial, implementar a política nos 217 municípios maranhenses.

Dessa forma, o Governo do Maranhão tem realizado Oficinas de Saúde Integral da População Negra para que os municípios construam os planos municipais, levando em consideração a peculiaridade dos povos de sua região, para execução da política.

Na prática, esta política visa à garantia da promoção, cuidado, prevenção, tratamento, atenção e proteção da saúde da população negra. É importante ressaltar que algumas doenças possuem maior incidência entre os afrodescendentes. São elas os agravos geneticamente determinados, como as anemias falciformes; os adquiridos em condições desfavoráveis, como desnutrição e anemia ferropria; além das doenças de evolução agravada ou tratamento dificultado, tais como diabetes melito, hipertensão e câncer, por exemplo.

Durante muito tempo a negligência governamental em todas as esferas do poder, esse tal racismo institucional, favoreceu o adoecimento desse grupo, assim como agravou os indicadores de saúde da população negra.

Uma pesquisa, realizada no Maranhão, apontou que 78,5% das crianças quilombolas com menos de cinco anos foram diagnosticadas com anemia ferropriva, por deficiência de ferro, causada pelo déficit nutricional. Essa realidade seria evitada caso existisse há mais tempo uma política de saúde para os povos de quilombo.

Sejam doenças evitáveis ou não, o certo é que demoramos tempo demais para qualificar o atendimento de saúde à população negra. Por isso, hoje, todos os municípios maranhenses estão em processo de implementação desta política. Os gestores municipais serão responsáveis, junto com o Estado, da execução da parte, ouso dizer, mais importante deste processo. Não há como demorar mais tempo com estudos e conjecturando ações.

Nos envergonha reconhecer que ainda somos um povo de desigualdades históricas. Vestígios que remontam aos tempos de nossa escravidão. Esta Política é uma ação do Governo do Maranhão em prol de um futuro onde escreverão sobre a efetiva equidade dos direitos humanos à saúde. Um dia faremos parte da boa história compartilhada as futuras gerações sobre como mudamos o cuidado à população negra em nosso estado. E como deixamos de esconder nosso passado embaixo do tapete.

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