terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Festejar é saudável, por Carlos Lula


Por algum motivo, um deles pode ser a bizarrice do acontecimento, os livros de história omitem uma epidemia incomum sucedida em meados da Idade Média. A dançomania, epidemia da dança, maldição de São Vito é um fenômeno relacionado a surtos de dança coletiva na Europa.

O acontecimento não era comum em bailes, festas de casamento ou cultos ao deus Baco. A situação era inesperada e ocorria na rua. Os historiadores ainda discutem a epidemia de dança, iniciada em 1518, quando a francesa Frau Troffea deu início a passos frenéticos de dança involuntária numa rua na cidade de Estrasburgo. A cena se repetiu por mais seis dias.

Você poderia dizer que era um ato corajoso de rebeldia ou de liberdade da moça ao dançar na rua, sozinha, em uma época onde tal postura seria mal vista. Acontece que depois de Troffea, outras 30 pessoas sofreram a mesma epidemia e depois mais 400. Todos involuntariamente. 

Talvez você acredite que isso tenha sido um acontecimento divertido. Quase um bloco de carnaval de bairro. Acontece que essas pessoas dançavam até a exaustão, até caírem de sono, até os pés sangrarem – nos casos mais graves, dançaram até morrer de ataque do coração.

O fato é tão curioso, quase inacreditável, que precisei ler a mesma história de diferentes fontes. Confesso que, no início, eu ri um pouco até descobrir quão torturante foi para essas pessoas pedirem ajuda para acabar com aquele tormento de dançar até a exaustão, com dores, com vergonha, com medo.

Além da dor física e emocional, em alguns desses momentos a histeria coletiva também resultou em prejuízo estrutural para as comunidades. Pontes vieram abaixo depois que um grande número de dançarinos involuntários entrou no frenesi e a estrutura não suportou a pressão de pessoas pulando, dançando.

Na tentativa de curar a comunidade da epidemia, alguns vilarejos construíram áreas propícias para as danças. Os músicos já ficavam a postos para tornar a situação menos triste. Acreditou-se que ao deixarem os dançantes livres, em algum momento estariam satisfeitos e parariam, mas as mortes provaram o contrário. A epidemia acabou do mesmo jeito que começou: inesperadamente.

Estudiosos e historiadores tentaram compreender como surgiu a epidemia, se através de um fungo, se eram razões espirituais. Tentaram explicar, mas quem melhor chegou a uma conclusão do que realmente aconteceu foi John Waller, estudioso americano e escritor do livro ‘Tempo para Dançar, Tempo para Morrer: a Extraordinária História da Epidemia da Dança de 1815’. 

Para Waller, o trágico problema aconteceu em um período de histeria em massa. O fenômeno é psicológico e sua manifestação se deve a diversas frustrações naquelas comunidades. Na Idade Média havia uma profunda repressão moral, tempos difíceis de enfermidades, escassez de comida, colheitas ruins, além de superstição espiritual. Tudo colaborava com um alto nível de estresse e favoreceu a histeria. 

Após esse período, houve a sensibilidade para inserir no calendário social festividades para reduzir essa pressão psicológica. Não apenas o Carnaval, mas o Natal e o Ano Novo entraram para o calendário de festas onde a sociedade se reúne para beber, dançar e aliviar suas tensões. 

Talvez um dos motivos de não termos epidemia de danças como na Idade Média é justamente por nossa possibilidade de dançar livremente e de modo espontâneo em momentos apropriados. Por alguns dias, nos afastemos um pouco dos aparelhos celulares, computadores e televisão.  Vamos aproveitar essa alegria saudável e coletiva das festas de fim de ano. Apenas dançando. Sem histerias e surtos coletivos.

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