segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Roque Santeiro, por Carlos Lula


“Dona desses traiçoeiros sonhos sempre verdadeiros”. A canção do Roupa Nova é a minha máquina do tempo. Traz à memória lembranças de um tempo distante, remete à minha infância na casa dos meus pais. Eu tenho uma memória afetiva com Roupa Nova e até hoje escuto a banda e me encanto com Serginho, o baterista que consegue tocar e também cantar. Um monstro. 

Esta semana ’Dona’ voltou à minha lembrança após a pauta nacional girar em torno de Regina Duarte. A música Dona era tema da caricata personagem Viúva Porcina, da novela Roque Santeiro (1985). À época, eu era só uma criança, mas lembro de estar na sala de casa, e se não conseguia entender bem a novela, curtia demais a trilha sonora. 

Mas a possível posse de Regina Duarte num cargo no governo federal me levou esta semana a algumas reflexões e ironias que não tive quando criança, mas que Roque Santeiro ainda nos traz.

Só para refrescar a memória, o enredo da novela, baseada numa obra do - vejam só - comunista Dias Gomes, conta como uma cidade inteira fundamentou sua economia, religião e política no mártir Roque Santeiro, que forjou a própria morte durante o ataque de cangaceiros, sendo visto por todos como o herói morto ao defender a cidade. Enquanto todos fugiam, Roque teria morrido protegendo a cidade. Ledo engano, ele também havia fugido e criado uma nova vida. A novela de estrondoso sucesso havia sido censurada anos antes. Sua exibição de certo modo também celebrava o fim da ditadura no país. 

A personagem de Regina Duarte ascende na estória a partir da fama do falecido marido Roque Santeiro, vivido por José Wilker. Acontece que a amada Viúva Porcina sequer conhecia o “santo”, mas tirou proveito da situação. 

Sinhozinho Malta, marcante personagem de Lima Duarte, por sua vez, coronel político da região, traz sua amante Porcina, que sequer conheceu Roque mas é sua “viúva”, para a cidade. 

Tudo corria bem até Roque regressar à cidade e descobrir a louca veneração do povo por ele. A política e a economia da cidade de Asa Branca estavam fundadas numa farsa e a volta de Santeiro tudo atrapalha. Os poderosos não aceitariam isso de bom grado. 

Mas toda novela precisa de um triângulo amoroso e Roque e Porcina se apaixonam! No final do enredo, ela precisa decidir entre ficar na cidade com o Coronel Sinhozinho Malta ou fugir com Roque Santeiro, sua paixão. Ela opta pela farsa e por viver com o coronel e tudo que ele podia lhe oferecer. 

Trinta e cinco anos depois, com a polêmica ascensão de Regina Duarte à Secretaria Nacional de Cultura após o lamentável episódio com o nazista Roberto Alvim, é interessante a análise da doutora em comunicação, Lúcia Coutinho, sobre a novela.

Segundo a professora, o enredo gira em torno das escolhas dos personagens principais pela farsa. E, vendo por outro lado, assumir uma postura correta não daria a fama momentânea, e tornaria estes personagens pessoas comuns, nada de extraordinário haveria neles. A cidade viveria outra realidade. 

Na ficção, assim como no mundo real, a mentira pode fazer sucesso momentâneo, mas não se sustenta. A postura correta, transparente, baseada em evidências científicas, pode gerar muitos ônus, mas seus resultados serão duradouros e permanentes. No final das contas este é o caminho que a gente precisa seguir, sobretudo na saúde.

Um gestor que opta pelo imediatismo conseguirá algum resultado de curto prazo. Talvez, em poucos meses, seus atos garantam vitória nas urnas. É aí que mora o perigo. As política públicas devem ser implementadas como um plano de Estado, não uma política de um governo. 

Por isso, abandonamos a gestão de construir prédios por construir, sem qualquer evidência científica de resultado prático. Abrimos hospitais regionais, que hoje realizam mais de 62 mil cirurgias por ano. O expressivo aumento concede ao Maranhão o quarto lugar entre os estados brasileiros que mais realizam cirurgias eletivas. Historicamente, nós somos a gestão no Maranhão que mais realizou cirurgias na rede estadual.

A viúva Porcina talvez tenha optado pela caminho mais fácil. Por incrível que pareça, mesmo 35 anos depois, Roque Santeiro parece ter muito ainda a nos ensinar. Sem viver para disfarçar os problemas, estamos a encarar os desafios e agruras de executar um projeto de Estado que beneficie o nosso povo por muitos anos. Tomamos o caminho oposto da Regina Duarte. Ontem e hoje.

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