segunda-feira, 30 de março de 2020

Em meio à pandemia, governo federal admite que removerá quilombolas em Alcântara


O governo Bolsonaro publicou uma resolução tomada por sete ministros que anuncia a remoção e o reassentamento de famílias quilombolas no Maranhão. A medida poderá atingir 800 famílias de 30 comunidades dos descendentes de escravos que habitam a região desde o século 17. Não foi anunciada uma data para as remoções.
O documento, publicado no Diário Oficial na última sexta-feira (27), também confirma que o governo federal avançará por mais 12 mil hectares da região de Alcântara além da área já utilizada atualmente pelo Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA). O governo Bolsonaro quer abrir a possibilidade de exploração da base para diversos países, cobrando uma espécie de aluguel pela parceria. Com os EUA, já assinou um acordo de cooperação no ano passado.
A resolução é assinada pelo general Augusto Heleno, ministro Gabinete de Segurança Institucional, na condição de coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, criado em 2018 e remodelado em 2019. O documento diz refletir o resultado da sétima reunião plenária do comitê, ocorrida no dia 4 de março.
O anúncio da medida causou um choque na comunidade quilombola de Alcântara. “Estamos perplexos com esta medida extremamente autoritária e que pode legar um futuro marcado por mais violações, como ocorreu na ditadura militar nos anos 1980 quando as primeiras famílias foram compulsoriamente deslocadas e a até hoje sofrem os impactos disso”, disse o cientista político Danilo Serejo, assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE). Do último ano da ditadura e até 1987, 312 famílias foram removidas de suas casas por ordem do governo.
A nova resolução diz que os quilombolas serão consultados em atendimento à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Porém, ao mesmo tempo já informa que o governo fará as remoções e indica qual órgão público deverá cuidar de cada aspecto das mudanças.
O Ministério da Defesa, por exemplo, por meio do Comando da Aeronáutica, fará “a execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações, incluindo o transporte de pessoas e semoventes [animais de criação]”. O Incra fará o “projeto de reassentamento”.
Caberá ao Ministério da Ciência e Tecnologia promover, por meio da Agência Espacial Brasileira e colaboração da área militar, determinadas “ações midiáticas do atual Centro de Lançamento de Alcântara e do futuro Centro Espacial de Alcântara, como forma de fomentar o turismo na região”. A resolução não explica quais são as “ações midiáticas” previstas.
Danilo Serejo disse que a medida é tomada “ao arrepio da lei e à margem de qualquer participação das comunidades”. “A comunidade não participa das discussões e reuniões desse comitê, tampouco foi informada das deliberações ali travadas. Não temos assento no Comitê. A Resolução já dá o deslocamento de comunidade como certo. Gostaria de destacar isso, é extremamente grave esta postura do governo totalmente na contramão dos documentos internacionais de proteção à vida e aos direitos das comunidades quilombolas”, disse Serejo.
As medidas previstas na resolução contradizem várias declarações públicas de autoridades civis e militares do governo Bolsonaro nos últimos meses. Em 10 de abril de 2019, por exemplo, o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), um militar da Aeronáutica, disse a uma comissão da Câmara dos Deputados: “Quanto à pergunta sobre se haverá a expansão da área, devo dizer que não. A área estabelecida do centro é aquela já definida. Não existe uma questão de expansão”.
Em maio, a bancada do PSOL na Câmara encaminhou um pedido de esclarecimentos ao ministro. Em resposta, ele reafirmou que “não se pode afirmar que populações locais interessadas serão diretamente afetadas por ele”.
Em nota divulgada em outubro, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações disse que “a área atual do CLA é suficiente para as operações espaciais previstas para acontecerem após as etapas de aprovação do AST [acordo com os EUA]” pelo Congresso e “a estruturação do modelo de negócios do CLA”. Por Rubens Valente, colunista do UOL.
Em março do ano passado o programa Câmera 4, apresentado pela jornalista Cristiane Moraes, mostrou a luta e a resistência das mulheres ceramistas da comunidade quilombola de Itamatatiua.
As Comissões de Direitos Humanos e Verdade da Escravidão Negra no Brasil na OAB-MA lançaram nota de repúdio:
A Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Brasil/OABMA e a Comissão de Direitos Humanos/OABMA vêm a público manifestar seu repúdio e preocupação com a Resolução n. 11 de 26 de Março de 2020, que publicita as deliberações do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro.
Em meio a um contexto de pandemia causada pelo COVID-19 (Corona vírus), em que a prioridade deveria ser o cuidado com os Quilombolas, a Resolução vem a fragilizar suas condições de vida, haja vista que existe flagrante descumprimento por parte do Governo Federal com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), pois não deverá ocorrer nenhuma decisão de remoção de populações, sem a consulta prévia das comunidades locais, que estão no território desde o século XVII, onde construíram seus Quilombos para fugir dos horrores da escravidão.
É importante ressaltar ainda que as Comunidades Quilombolas de Alcântara ainda precisam receber do Governo Federal, os passivos derivados de remanejamentos anteriores, que geram graves prejuízos até os dias atuais.
Diante da Resolução arbitrária e totalmente ilegal uma vez que afronta diversos dispositivos legais de proteção das comunidades remanescentes de Quilombos, tanto do Direito Brasileiro, quanto do Direito Internacional, as Comissões se colocam a disposição das instituições de Estado e da Sociedade Civil para as devidas providências.
Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Brasil
Comissão de Direitos Humanos

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