quinta-feira, 26 de novembro de 2020

TJMA entende que benefício fiscal concedido pelo Estado é regular

Relator Paulo Velten fixou tese de que a concessão de benefícios/isenções tributárias de ICMS, em conformidade com a LRF e sem redução na arrecadação, não gera aos municípios o direito à reparação



Em votação unânime, na sessão plenária jurisdicional desta quarta-feira (25), os desembargadores do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) entenderam que a regular concessão de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao ICMS por parte do Estado do Maranhão constitui prerrogativa assegurada pela Constituição Federal. A decisão ocorreu durante o julgamento de um Incidente de Assunção de Competência (IAC), que teve o desembargador Paulo Velten como relator, e o município de Cantanhede e o Estado do Maranhão como partes.

A tese proferida pelo relator, ao final do julgamento, é de que a concessão de benefícios e/ou isenções tributárias de ICMS pelo Estado, feita em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sem implicar efetiva redução na arrecadação total do imposto, não gera aos municípios qualquer direito à reparação/complementação da quota parte do ICMS que lhes cabe, notadamente em relação aos benefícios tributários que foram convalidados por força do novo Convênio ICMS 190/2017 do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

APELAÇÕES

De acordo com o relatório, as apelações do município e do Estado foram feitas contra a sentença do Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Luís, que julgou parcialmente procedente a ação, para condenar o Estado do Maranhão a recalcular o valor da parcela correspondente a um quarto dos 25% da arrecadação do ICMS que cabe ao município de Cantanhede, devendo, para tanto, incluir, na base de cálculo da quantia a ser repassada ao município, todos os valores relacionados às renúncias fiscais e tributárias de ICMS (subsídio, isenções, reduções de base de cálculo, concessões de crédito presumido, anistia ou remissão) concedidas, unilateralmente, pelo Estado, sem respaldo em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ.

O relatório informa que o juiz de base determinou que o Estado do Maranhão pagasse as diferenças não repassadas ao município, acrescidas de correção monetária pelo INPC, mais juros de mora, de acordo com o mesmo percentual aplicável à caderneta de poupança, observada a prescrição quinquenal.

Em síntese, em sua apelação, o município de Cantanhede alegou que a obrigação do Estado de recalcular o repasse do imposto não pode ficar limitada à parcela correspondente a um quarto dos 25% da arrecadação do ICMS, mas deve alcançar a integralidade dos 25% que competem ao recorrente, na medida em que as renúncias fiscais irregularmente realizadas pelo Estado comprometeram toda a arrecadação do ICMS que serve de base para o cálculo do repasse devido aos municípios.

Já o Estado do Maranhão, por sua vez, defendeu que o percentual do ICMS a ser repassado ao município deve levar em consideração tão somente o “produto da arrecadação”, isto é, o valor efetivamente arrecadado pelo Estado. Nesse contexto, entende que as isenções concedidas, os créditos presumidos e as reduções de base de cálculo do ICMS não constituem arrecadação e, nessa medida, não podem integrar o montante a ser repassado aos municípios, que deve levar em consideração apenas a arrecadação efetivamente realizada, e não a arrecadação hipoteticamente realizável.

Em sua apelação, o Estado afirma que os valores equivalentes às isenções e aos benefícios fiscais já são expressamente considerados no cálculo do valor adicionado do ICMS que compete aos municípios, razão pela qual entende que não há prejuízo, notadamente, porque o aludido cálculo foi auditado pelo TCE, sem qualquer impugnação do município apelado, devendo prevalecer a presunção de legitimidade do ato administrativo.

Diante da relevância da matéria e de sua potencial repercussão nas contas públicas do Estado, já que a discussão quanto à complementação da quota parte do ICMS abrange todos os 217 municípios maranhenses, a 4ª Câmara Cível do TJMA admitiu o Incidente de Assunção de Competência, a fim de que o Tribunal Pleno decidisse a questão, de modo a prevenir eventuais divergências entre órgãos fracionários da Corte.

VOTO

Em seu voto, o desembargador Paulo Velten entendeu caber razão ao Estado. Destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), em recurso extraordinário de relatoria do Ministro Edson Fachin, julgado sob a sistemática de repercussão geral, fixou a tese 653, segundo a qual “é constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades”. 

O relator lembrou que, no mesmo julgado, ficou também definido que “a expressão ‘produto da arrecadação’ prevista no artigo 158, I, da Constituição da República, não permite interpretação constitucional de modo a incluir na base de cálculo do FPM os benefícios e incentivos fiscais devidamente realizados pela União em relação a tributos federais, à luz do conceito técnico de arrecadação e dos estágios da receita pública”.

Paulo Velten explicou que, embora o precedente tenha tratado sobre a relação jurídico financeira mantida entre a União e os municípios, é o caso de estender a ratio decidendi (regra de direito posta como fundamento da decisão) para solucionar, também com eficácia vinculante, a controvérsia envolvendo o Estado do Maranhão e o município de Cantanhede, o que também justifica a instauração do IAC.

Nesse contexto, o relator disse que, considerando que o repasse a ser feito pelo Estado aos municípios deve levar em conta também o “produto da arrecadação” do ICMS (CF, artigo 158 IV) – mesma expressão contida no artigo 158 I da CF examinado no RE 705.423/SE –, força é reconhecer, tal qual ocorre na relação União x Município, que o município de Cantanhede não tem “expectativa legítima à arrecadação potencial máxima” e, tampouco, tem a prerrogativa de compelir o Estado a abster-se “de conceder benefícios fiscais”.

Paulo Velten complementou, considerando como sendo certo que o direito assegurado aos municípios é tão-somente o de receber “uma parcela do produto arrecadado com a cobrança do ICMS, e não uma parte do produto que poderia ter sido arrecadado se não houvesse benefícios fiscais”, citando entendimento de julgado que teve como relator o ministro Joaquim Barbosa.

Em relação à discussão acerca da regularidade dos benefícios/isenções de ICMS concedidos pelo Estado do Maranhão, Paulo Velten entendeu que melhor sorte não assiste ao município apelante. Isso porque o voto proferido pelo ministro Edson Fachin explicita que a regularidade exigida dos entes federados, ao concederem benefícios/isenções tributários com fundamento no artigo 150 parágrafo 6º da Constituição Federal, é aquela realizada de acordo com a forma regulada no artigo 14 da LRF, que, por sua vez ,exige, para a “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita” (LRF, artigo 14 caput), que seja demonstrado que “a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária” e que “não afetará as metas de resultados fiscais” (LRF, artigo 14 I) ou que foram adotadas “medidas de compensação” “por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição” (LRF, art. 14 II).

INCREMENTO

No caso examinado pelo relator do TJMA, o desembargador Paulo Velten disse que a prova produzida nos autos – trazida pelo próprio município recorrente – revela que, a despeito da concessão dos benefícios/isenções tributárias pelo Estado do Maranhão, houve substancial incremento dos valores repassados ao município de Cantanhede, relacionados à sua quota de participação no ICMS, que passou de R$ 659.005,10, no exercício de 2010, para R$ 1.106.045,32 no exercício de 2014.

O relator entendeu que, estando demonstrado que o município não sofreu prejuízo com a implantação dos benefícios/isenções de ICMS pelo Estado do Maranhão – ao contrário, foi beneficiado – a só alusão à existência de irregularidades meramente formais na formatação desses benefícios é insuficiente para acolher a pretensão deduzida pelo município, cuja natureza é eminentemente indenizatória, como ele próprio explicitou.

O desembargador acrescentou que os benefícios/isenções de ICMS questionados – que haviam sido concedidos sem prévia autorização do CONFAZ – foram convalidados por força do novo Convênio ICMS 190/2017 e através da Portaria nº 103/18, da SEFAZ/MA.

De acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, o relator deu provimento à apelação do Estado do Maranhão para reformar a sentença e julgar improcedente a ação, declarando prejudicada a apelação do município de Cantanhede que, pelo princípio da causalidade, fica obrigado a pagar honorários advocatícios de sucumbência.

Os demais desembargadores presentes à sessão acompanharam o voto do relator.

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